dupla vista, também conhecida como segunda vista, vista
espiritual ou ainda vista psíquica, segundo definição de Allan Kardec “é a
faculdade graças à qual quem a possui vê, ouve e sente além dos limites dos
sentidos humanos”.(O Livro dos Espíritos)
Pode ocorrer em diversos graus, desde uma simples capacidade
de apreender as coisas em profundidade ou, como se diz vulgarmente, entender
pelas entrelinhas, até a possibilidade de ver à distância, através de
obstáculos e de corpos opacos, inclusive o interior do próprio corpo físico, ou
mesmo enxergar o passado ou o futuro.
Revelando os vários aspectos e detalhes em que a faculdade
pode se manifestar, diz Allan Kardec: “Esse dom da segunda vista é que, em
estado rudimentar, dá a certas pessoas o tato, a perspicácia, uma espécie de
segurança aos atos, o que se pode com justeza denominar: golpe de vista moral.
Mais desenvolvido, ele acorda os pressentimentos, ainda mais desenvolvido, faz
ver acontecimentos que já se realizaram, ou que estão prestes a realizar-se;
finalmente, quando chega ao apogeu, é o êxtase vígil.”(Obras Póstumas)
Na Revista Espírita de outubro de 1864 complementa o
codificador: “Esta faculdade, muito mais comum do que se o crê, se apresenta
com graus de intensidade e aspectos muito diversos segundo os indivíduos; em
uns, ela se manifesta pela percepção permanente ou acidental, mais ou menos
límpida, das coisas distantes; noutros, pela simples intuição dessas mesmas
coisas; noutros, enfim, pela transmissão do pensamento.”
Esta faculdade faz parte do conjunto de fenômenos de
desprendimento da alma, estudados em capítulo específico em O Livro dos
Espíritos, bem como em quase todas as obras da Codificação, além da Revista
Espírita. Tendo o perispírito a possibilidade de irradiar-se para além dos
limites do corpo físico, pode, dentro destas condições, perceber com maior
acuidade e justeza tudo o que ocorre. A Doutrina Espírita, tendo como objetivo
estudar os fenômenos da alma, nos fornece, desta maneira, a teoria explicativa
da dupla vista. Prossigamos com Kardec:
“Ela tem, pois, seu princípio na propriedade radiante do
fluido perispiritual, que permite à alma, em certos casos, perceber as coisas à
distância, de outro modo dito, na emancipação da alma, que é uma lei da
Natureza. Não são os olhos que vêem, é a alma que, por seus raios, atinge um
ponto dado, exerce sua ação fora e sem o concurso dos órgãos corpóreos.”
(Revista Espírita, outubro de 1864)
A dupla vista pode acontecer tanto no estado sonambúlico
quanto no de vigília, quando o indivíduo vê através da sua vista ordinária e de
uma forma tão natural que ele acaba acreditando que todo mundo a possui.
Na Revista Espírita de dezembro de 1858, Allan Kardec cita o
caso do Sr. Adrien que, tendo desenvolvido a segunda vista e mesmo sem ser
sonâmbulo, podia enxergar a longas distâncias, descrevendo locais, pessoas nos
seus afazeres e fatos, tendo sido possível verificar a sua autenticidade.
Pouco estudada atualmente no meio espírita, esta faculdade
era bem conhecida dos magnetizadores mesmo antes do surgimento da Doutrina, os
quais davam àquela uma utilidade prática nos tratamentos dos seus pacientes.
Em Magnetismo Curativo, de Alphonse Bué, encontramos a
seguinte citação referente à dupla vista (sob o nome de clarividência) durante
o estado sonambúlico:
“Onde a clarividência me parece dever prestar verdadeiros serviços, é quando,
desenvolvendo-se normalmente no decurso dum tratamento, sem ter sido exigida
nem solicitada, se manifesta espontaneamente num doente, como crise natural que
devia produzir-se.
O doente, nesse estado, julga claramente da natureza do seu
mal, da sua origem e da sua causa, dos meios a empregar para combatê-la; vê o
interior do seu corpo, os órgãos doentes; prevê, de antemão, a natureza e a
época exata das crises pelas quais deverá passar, e anuncia todas as peripécias
da marcha da moléstia, sua duração e modo de acabar.”
Vemos, então, que os magnetizadores conheciam muito bem a
dupla vista e a tinham como recurso terapêutico de grande valia tanto no
diagnóstico das doenças como no acompanhamento dos tratamentos.
Mais adiante, na mesma obra, o autor relata a respeito do
tratamento de uma jovem de nome Luíza que há 12 anos sofria com uma atrofia
muscular progressiva. Suas pernas estavam completamente paralisadas e os braços
a caminho do mesmo destino.
A jovem apresentou-se sonâmbula decorrido um mês de
tratamento. Sigamos com Bué: “Luíza, em sono magnético, seguia diariamente este
trabalho de reorganização da Natureza, com interesse crescente; como via
perfeitamente o interior do corpo, tinha prazer em pôr-me ao corrente das
flutuações que o tratamento imprimia ao seu estado; o que lhe chamava
principalmente a atenção era o aspecto dos seus músculos. Não possuindo nenhuma
noção de anatomia, limitava-se simplesmente a explicar-me a seu modo aquilo que
via.
Os músculos assim enferrujados pela inação, se lhe afiguravam,
a princípio, como que empastados de substância amarelo-fosco, que parecia ter
invadido os interstícios fibrilares; de amarela que era, essa substância
tornou-se branca; depois, pareceu fundir-se e reabsorver-se; o sangue afluiu,
então, mais abundantemente para o músculo, vindo restituir-lhe a vitalidade e
mobilidade; mas, ao mesmo tempo, ela previu uma crise próxima e de grandes sofrimentos:
“A vida volta, disse-me ela, mas é acompanhada da inflamação; já se acha
invadido o envoltório dos músculos por placas vermelhas, semeadas de milhares
de botõezinhos, oh! Como vou sofrer horrivelmente!” E passado um momento de
silêncio, acrescentava: “Mas é necessário e depois passarei muito melhor”.”
Fomos encontrar ainda, na Revista Espírita de junho de 1867,
o seguinte exemplo dado por Allan Kardec:
“Conhecemos, em Paris, uma senhora na qual ela [a dupla
vista] é permanente, e tão natural quanto a visão comum; ela vê sem esforço e
sem concentração o caráter, os hábitos, os antecedentes de quem dela se
aproxima; descreve as doenças e prescreve tratamentos eficazes, com mais
facilidade do que muitos sonâmbulos comuns; basta pensar em uma pessoa ausente
para que ela a veja e a designe. Estávamos um dia em sua casa, e vimos passar
na rua alguém com quem temos relação e que ela jamais viu. Sem ser nisto
provocada por nenhuma pergunta, dela fez o retrato moral mais exato, e nos deu
a seu respeito conselhos muito sábios.
Essa senhora, no entanto, não é sonâmbula; ela fala do que
vê, como falaria de qualquer outra coisa sem se desviar de suas ocupações. Ela
é médium? Ela mesma não sabe nada disso, porque tem pouco tempo, não conhece o
Espiritismo, nem mesmo de nome. Essa faculdade, pois, é nela muito natural e tão
espontânea quanto possível. Como ela percebe se não for pelo sentido
espiritual?
Devemos acrescentar que essa senhora tem fé nos sinais da
mão; também a examina quando se a interroga; nela vê, diz ela, o indício das
doenças.
Como ela vê certo, e que é evidente que muitas coisas que
ela diz não podem ter nenhuma relação fisiológica com a mão, estamos
persuadidos de que para ela é simplesmente um meio de se pôr em relação, e
desenvolver sua vista fixando-a sobre um ponto determinado; a mão faz o papel
de espelho mágico ou psíquico; ela vê como outros vêem num copo, numa garrafa
ou noutro objeto.”
Com a explicação acima, podemos entender a que grau pode
chegar a segunda vista, bem como o porquê do uso de objetos e acessórios tais
como bola de cristal, cartas, cristais, búzios, etc, pelos ledores da sorte.
Estas pessoas geralmente têm como suporte ou auxiliar da concentração os
objetos citados, usando todavia a sua capacidade de visão espiritual para
enxergar o passado, o futuro ou as doenças e seus tratamentos, mesmo estando consciente,
ou seja, em estado de vigília. A leitura das mãos teria uma vantagem que é o
contato físico, o qual facilita a relação entre o clarividente e o consulente.
Como vimos, a dupla vista pode ser muito útil, se bem
educada, como apoio nos tratamentos magnéticos, afora as outras capacidades que
podem ser reveladas por quem é portador. Infelizmente, aprendemos a esperar em
tudo pelos Espíritos desencarnados e relegamos ao esquecimento as potências que
vivem em germe no íntimo de nós encarnados. Descobrir e desenvolver as nossas faculdades
espirituais faz parte do programa reencarnatório. Se sufocamos estas aptidões
antes mesmo delas despontarem e se as desprezamos por um comodismo que nos
libera de qualquer esforço, então estamos cometendo um crime contra Deus e as suas
leis.
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