CONFERÊNCIAS DO SR. TROUSSEAU, PROFESSOR DA FACULDADE DE MEDICINA Feitas na Associação Politécnica para o ensino gratuito dos operários em 18 e 25 de maio de 1862 (BROCHURA IN - 8.º)
“Como vedes, senhores, as pessoas inteligentes são as primeiras que se deixam apanhar. Lembrai - vos do que se passava no fim do século passado. - Um curandeiro alemão emprega a eletricidade, ainda mal conhecida naquela época. Submete algumas mulheres delicadas à ação do fluido; ocorrem pequenos acidentes nervosos, que ele atribui a um fluido emanado de si próprio; estabelece uma teoria bizarra, na época chamada mesmerismo. Vem a Paris, instalando - se na Praça Vendôme, no centro da cidade, onde as pessoas mais ricas, pertencentes à aristocracia mais elevada da capital, vêm se postar em torno da cuba de Mesmer. Eu não saberia dizer quantas curas foram atribuídas a Mesmer, que, aliás, é o inventor e o importador, entre nós, desta maravilha que se chama sonambulismo, isto é, uma das mais vergonhosas chagas do empirismo.
“Que vos direi, com efeito,do sonambulismo? Moçoilas histéricas, geralmente perdidas, em conúbio com qualquer charlatão famélico, simulando o êxtase, a catalepsia, o sono e, com a mais ridícula segurança, exibindo mais inépcias do que se poderia imaginar, inépcias bem pagas, bem aceitas, acreditadas com uma fé mais robusta que os conselhos do clínico mais esclarecido.”
Para que serve a inteligência, se as pessoas inteligentes são as primeiras a se deixarem apanhar? Que é preciso para não se deixar apanhar? Ser sábio? - Não. - Ser membro do Instituto? - Não, já que um bom número deles tem a fraqueza de preferir os charlatães aos seus confrades. É o Sr. Trousseau quem no - lo diz. - Ser médico? - Também não, pois muitos também se dão ao absurdo do magnetismo. - Que é, então, necessário para ter bom - senso? - Ser o Sr. Trousseau.
Sem dúvida o Sr. Trousseau é livre para externar a sua opinião, para crer ou não no sonambulismo. Mas não será ultrapassar os limites da boa educação tratar todas as sonâmbulas como moçoilas perdidas, em conúbio com charlatães? Que nisto, como em tudo, haja abusos, é inevitável, dos quais a própria medicina oficial não está isenta. Sem dúvida há simulacros de sonambulismo, mas, pelo fato de haver falsos devotos, pode - se dizer que não haja verdadeira devoção? O Sr. Trousseau ignora que entre os sonâmbulos profissionais há mulheres casadas e muito respeitáveis; que o número das que não se põem em evidência é muito maior? Que as há nas famílias mais honradas e mais altamente colocadas? Que muitos médicos, devidamente diplomados, de um saber incontestável, são hoje campeões declarados do magnetismo, que empregam com sucesso numa porção de casos rebeldes à medicina tradicional? Não tentaremos fazer o Sr. Trousseau mudar de opinião, provando - lhe a existência do magnetismo e do sonambulismo, pois é provável que perderíamos nosso tempo. Aliás, não é esta a nossa intenção. Diremos, porém, que se a zombaria e o sarcasmo são armas pouco dignas da Ciência, é ainda mais indigno que ela arraste na lama uma ciência hoje espalhada no mundo inteiro, reconhecida e praticada pelos homens mais distintos e atirar sobre os que a professam os insultos mais grosseiros que se possam encontrar no vocabulário da injúria. Só podem os lamentar ouvir expressões de tal trivialidade, feitas para inspirar desgosto, descendo das cátedras do ensino. Vós vos admirais que inépcias, como vos apraz chamar, sejam acreditadas com uma fé muito mais robusta que os conselhos do clínico mais esclarecido. A razão disto está na inumerável quantidade de erros cometidos pelos clínicos mais esclarecidos, dos quais citaremos dois exemplos. Uma senhora de nosso conhecimento tinha um filho de quatro a cinco anos, acometido de um tumor no joelho, em consequên cia de uma queda. O mal se tornou tão grave que ela resolveu consultar uma celebridade médica, que opinou pela amputação do membro, julgada urgente e indispensável, para salva r a vida da criança. A mãe era sonâmbula. Não podendo decidir quanto à operação, cujo resultado era duvidoso, resolveu tratar ela própria. Ao cabo de um mês a cura era completa. Um ano depois, com o filho já forte e sadio, ela foi ver o médico e lhe disse: “Eis o menino que, em vossa opinião, deveria morrer se não lhe cortassem a perna . - Que quereis? Respondeu ele, a Natureza tem recursos tão imprevistos!”
O outro caso é pessoal. Há cerca de dez anos fiquei quase cego, a ponto de não poder ler nem escrever e não reconhecer uma pessoa a quem desse a mão. Consultei as notabilidades da Ciência, entre outras o Dr. L..., professor de clínica para as moléstias dos olhos. Depois de um exame muito atento e consciencioso, declarou que eu sofria de uma amaurose e que devia resignar - me. Fui ver uma sonâmbula, que me disse que não era amaurose, mas uma apoplexia nos olhos, que poderia degenerar em amaurose se não fosse tratada adequadamente. Declarou responder pela cura. Em quinze dias, disse ela, experimentareis uma discreta melhora; em um mês começareis a ver e, dentro de dois ou três meses, estar eis curado. Tudo se passou como ela previra e hoje minha visão está completamente restabelecida.
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