Alguns anos antes
de iniciar sua pesquisa espírita, o professor H. L. D. Rivail, futuramente
Allan Kardec, tornou-se quase cego. Não conseguia ler, escrever, nem ao menos
reconhecia a fisionomia de quem lhe estendia a mão. Situação terrível para quem
tinha a escrita como profissão. Prontamente procurou os mais notáveis
especialistas em doenças dos olhos em Paris. O doutor L., professor de clínica,
deu sua sentença depois de atento exame: — O senhor deve resignar-se, perderá
progressivamente a visão, até a completa cegueira.
O professor
procurou, então, uma sonâmbula. A senhora está sentada. À sua frente, o
magnetizador fez alguns passes e ela entrou em transe. Nessa condição, podia
examinar com espantosa precisão os olhos adoentados. E afirmou não tratar-se de
cegueira, mas apenas um rompimento de vasos sanguíneos, apoplexia, que sendo
cuidada adequadamente chegaria à cura. Uma melhora em quinze dias e a recuperação
completa em dois ou três meses, Na Revista Espírita¹, de 1862, Kardec atestou que tudo
ocorreu perfeitamente de acordo com a previsão da sonâmbula.
O sonambulismo provocado
é um fenômeno descoberto por Franz Anton Mesmer, criador da ciência do
Magnetismo Animal, considerada irmã do Espiritismo por Kardec. Ele ainda disse
mais, No último ano de sua missão, em 1869, escreveu: "O Magnetismo e o
Espiritismo são duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela
outra, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se
apoiar na sua congênere. Isoladas uma da outra, detêm-se num impasse. São
reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia².
Atualmente, no
Brasil, o movimento espírita não mais conhece a ciência do Magnetismo Animal
como bem a compreendiam os espíritas do século 19. É de fundamental importância
sua recuperação, para que o entendimento da doutrina espírita não caia no
impasse anunciado pelo codificador.
A ciência de
Mesmer³
compreende três importantes áreas de estudo. Uma doutrina médica, nos moldes e próxima da elaborada por
Samuel Hahnemann (1755 – 1843); o estudo do sonambulismo provocado; e uma
teoria de física, fundada no conceito do fluido universal, que explica a
transmissão do pensamento à distância, possibilitando a ligação mental entre
paciente e magnetizador, durante o passe magnético.
Engana-se quem
imagina que a teoria de Mesmer se explica pelo fluido vital. Não é verdade. O
fluido vital era considerado uma forma de matéria, uma substância que garantia
vitalidade aos seres. Alguns também o chamavam eletricidade animal. Quem
trabalha dando passes na casa espírita pode estar confuso ao pensar: – Mas não
é essa a explicação do passe pelo Espiritismo? E a resposta é não. Uma leitura
fragmentada de alguns trechos das obras de Allan Kardec poderia levar a essa
conclusão. Todavia, em A gênese, os Espíritos vão explicar que o princípio
vital é um estado do fluido universal, e não uma substância especial como o
fluido vital. Para a época, essa afirmação foi reveladora. Dizer que todas as
formas de energia e matéria são derivadas do fluido universal é afirmar que de
alguma forma tudo deriva das vibrações do éter, mesmo a matéria considerada
sólida. Para a ciência da época, a matéria era feita de bolinhas duras, eternas
e indestrutíveis. Muitos ainda acreditavam que também o magnetismo, a luz, o
calor e a eletricidade eram feitos de bolinhas duras, indestrutíveis,
invisíveis e sem peso, ou imponderáveis. É incrível, mas a explicação cosmológica
de Mesmer e dos Espíritos está próxima dos raciocínios utilizados pela Física
moderna!
Para Mesmer, o passe magnético era um instrumento para
colocar a vontade fortalecida e o pensamento firme do magnetizador em
comunicação com o doente, no sentido de apressar a cura, que se daria pelos
meios naturais de recuperação do organismo físico. O ciclo da cura se daria
mais rapidamente, favorecendo o doente. A cura não era nem mágica, nem milagre,
mas fruto da observação e experimentação científica.
Hahnemann,
criador da homeopatia, ao conhecer esse tratamento mesmérico, ficou admirado
com a proximidade dessa teoria com a sua. Um presente do Criador. Passou a
tratar seus pacientes com remédios homeopáticos e passes. Incluiu esse recurso
terapêutico em seu Organon da arte de curar4. E deixou anotadas inúmeras curas com esse
recurso em suas anotações práticas.
Podemos dizer que
o magnetismo animal é a homeopatia da vitalidade humana, e a homeopatia é o
magnetismo animal dos seres minerais e vegetais.
Quando tratava
seus pacientes, Mesmer percebeu que alguns deles entravam em estado de transe.
Depois da aparência de um sono comum, erguiam a cabeça com uma leve queda para
trás, e depois conversavam, apesar da fala arrastada característica desse estado
alterado de consciência. Alguns sonâmbulos adquiriam uma extraordinária
exaltação da sensibilidade. Com olhos vendados, viam à distância, liam livros
ou cartas fechadas, descreviam o que ocorriam em outros cômodos ou mesmo em
outras localidades. Uma particular capacidade era a de fazer diagnósticos
precisos e estabelecer tratamentos, prevendo o desenvolvimento e o
estabelecimento da cura. Como ocorreu com Kardec décadas depois. Um discípulo
de Mesmer, Puységur, escreveu obras e divulgou com riqueza de detalhes o
sonambulismo.
Mesmer e seus
discípulos foram difamados. Sábios foram convocados para examinar o Magnetismo
Animal. No entanto, o objeto de exame da comissão não foi a teoria de Mesmer, e
nem mesmo sua prática. Isto porque os comissários ouviram apenas o doutor
d'Eslon, um ex-aluno desautorizado por Mesmer.0 magnetismo animal foi considerado
perigoso e fruto da imaginação no relatório final. Lavoisier estava entre os
examinadores. Fez uso de instrumentos primitivos destinados a perceber a ação
do fenômeno do magnetismo no exame do tratamento por passes. Esse estudioso da
química, porém, não conhecia a teoria de Mesmer. Dedicou-se a demonstrar que
nenhuma substância podia ser detectada por seus instrumentos. Mesmer não estava
presente e se negou a tais exames, pois desejava que o processo de cura fosse
estudado e não o processo físico. Caso a cura fosse constatada, as academias e
as universidades poderiam se interessar pelo fenômeno e empreender pesquisas. O
objetivo era garantir à humanidade uma medicina acessível a todos igualmente,
pobres ou ricos, nobres ou camponeses.
Depois da revolução francesa, tanto a cura
quanto o diagnóstico, como também a lucidez sonambúlica foram objetos de experimentações
e milhares de pessoas foram curadas em todo o mundo.
Quando D. Rivail
chegou a Paris, na década de 1820, o Magnetismo estava estabelecido e
respeitado. Seu educador, Pestalozzi, havia recomendado o estudo da Homeopatia
e Magnetismo Animal, ciências progressistas e espiritualistas. Rivail procurou
o curso prático de Magnetismo do Barão Du Potet, o mais conceituado na época,
autor de vários livros e um influente jornal.
Depois de 1850,
os populares fenômenos das mesas girantes foram pesquisados pelos grupos de
magnetizadores e seus sonâmbulos. Quando Rivail foi informado sobre o fenômeno
por Carlotti, um jovem magnetizador italiano de 25 anos, logo conclui tratar-se
de um fenômeno natural, causado pela acumulação de fluido vital sobre o móvel.
Sim, era essa a hipótese científica que o professor conhecia da Ciência da época,
o fluido vital. Deveria ser apenas um fenômeno físico, uma novidade, mas nada
alarmante ou extraordinário, pensou. Porém, quando o entusiasmado italiano voltou
a procurá-lo, anunciando que as mesas estavam sendo "sonambulizadas",
ai era demais! Rivail conhecia o sonambulismo em detalhes, era um fenômeno
psicológico, envolvia a mente e suas capacidades desconhecidas. Agora,
"sonambulizar" urna mesa? Sua resposta ficou famosa, e nem por isso
bem compreendida: "Até provarem que uma mesa tem cérebro, prefiro
considerar essa, uma história para boi dormir!".
"Passado
algum tempo", relatou Kardec em Obras póstumas 5,
"(...) pelo mês de maio de 1855, fui à casa da sonâmbula Sra. Roger, em
companhia do Sr. Fortier, seu magnetizador. Lá encontrei o Sr. Pâtier e a Sra.
Plainemaison, que daqueles fenômenos me falaram no mesmo sentido em que o Sr.
Carlotti se pronunciara, mas em tom muito diverso. O Sr. Pâtier era funcionário
público, já de certa idade, muito instruído, de caráter grave, frio e calmo;
sua linguagem pausada, isenta de todo entusiasmo, produziu em mim viva
impressão e, quando me convidou a assistir às experiências que se realizavam em
casa da Sra. Plainemaison, à rua Grange-Batelière, 18, aceitei imediatamente. A
reunião foi mareada para terça-feira, maio, às oito horas da noite.
Foi ai que, pela primeira vez, presenciei o
fenômeno das mesas que giravam, saltavam e corriam em condições tais que não
deixavam lugar para qualquer dúvida. Assisti então a alguns ensaios, muito
imperfeitos, de escrita mediúnica numa ardósia, com o auxílio de uma cesta.
Minhas ideias estavam longe de precisar-se, mas havia ali um fato que
necessariamente decorria de uma causa. Eu entrevia, naquelas aparentes futilidades,
no passatempo que faziam daqueles fenômenos, qualquer coisa de sério, como que
a revelação de uma nova lei, que tomei a mim estudar a fundo".
O Livro dos Espíritos foi todo escrito pelas
mãos de jovens sonâmbulas e os pioneiros do Espiritismo eram magnetizadores.
O Magnetismo
animal está presente antes, durante e depois do surgimento de sua ciência irmã,
o Espiritismo. A duas se apoiam e explicam mutuamente. Todavia, atualmente o
passe, instrumento de cura, tem sido banalizado e desconhecido em seus
fundamentos originais. A mística e a superstição têm ocupado o vazio deixado
pelo esquecimento da teoria cientifica elaborada por Mesmer, Hahnemann e os
ensinamentos dos Espíritos relatados por Kardec. O sonambulismo provocado não é
mais experimentado. A teoria do fluido universal está esquecida, e muitos
espíritas acreditam na hipótese superada do fluido vital. Os livros estão ai,
porém. E uma recuperação não só é necessária, como inevitável. Afinal, o
Espiritismo está destinado a secundar a regeneração da humanidade para a Terra
tornar-se um mundo feliz.
Pauto Henrique de
Figueiredo é empresário e escritor espirita.
Referências:
¹ KARDEC, Allan. Revista Espírita:Jornal de Estudos Psicológicos, n. 8. ago. 1862.
São Paulo: IDE, 2001. "Conferências do sr.Trousseau, professor da
Faculdade de medicina", n.5, p.153, ago. 1862.
² idem. Ibidem. "Proporção relativa dos espíritas",
n. 1, p7, jan. 1869
³FIGIJEIREDO. Paulo Henrique
de. Mesmer: a ciência negada e os textos
escondidos. Bragança Paulista, SP: Ed. Lachâtre, 2005.
4HAHNEMANN, Samuel. Organon da arte de curar. Tradução de
Edméa Marturano Viliela e Izao Carneiro Soares. 2, ed.Ribeirão Preto, SP: Museu
de Homeopatia Abrahão Brickmann,2008, p. 188.
5 KARDEC, Allan. Obras póstumas. Tradução de Guillon Ribeiro. 22.ed. Rio de Janeiro:
Federação Espírita Brasileira, 1987. Segunda Parte, cap. "A Minha Primeira
Iniciação no Espiritismo", p. 225-227.
Revista Cultura Espírita Ano IV – nº 39 - junho /2012
2 comentários:
Este texto teve a colaboração de Luiz RC Guevara
M A G N Í F I C O.
EXCELENTE, UMA PÁGINA QUE TODO ESPÍRITA DEVERIA LER
ESTAMOS VIVENDO UMA ÉPOCA DO ESPIRITISMO RELIGIOSO, É UMA PENA
IRMÃO GÊMEO DO ESPIRITISMO É O MAGNETISMO E NÃO A RELIGIÃO
OBRIGADO
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