Tratar ou
não tratar: eis a questão
Adilson
Mota
Mais uma
vez a necessidade nos chama a abordar um tema com vistas à análise das palavras
de Kardec e de Jesus com relação a tópicos que, ao longo do tempo, geraram uma
interpretação equivocada nascida muito mais do
ouvir dizer do que propriamente
do estudo das obras espíritas.
Afinal, um
centro espírita pode se dedicar ao tratamento de doenças físicas? As opiniões são
opostas e esquecemos de perguntar o que fala a Doutrina Espírita sobre isso, a despeito
do que pensamos.
Analisemos
primeiramente os argumentos daqueles que defendem que centro espírita só deve
tratar as doenças morais.
Observam,
estes argumentadores, que as nossas doenças são causadas pelo desequilíbrio do
Espírito, ou seja, uma consequência dos nossos sentimentos e pensamentos
dessintonizados com o bem. Desta forma, segundo eles, devemos realizar a nossa
reforma íntima, pois esta, sendo alcançada, reabilitará a nossa saúde física.
Sendo
assim, o centro espírita não deve realizar tratamentos de enfermidades orgânicas,
devendo se preocupar apenas em dar orientação moral e espiritual às pessoas.
Pois bem!
Sabemos que o encarnado é composto de três partes, espírito, perispírito e
corpo físico, e que os três agem e reagem continuamente um sobre os outros causando
bem estar ou desarmonia. Apesar da assertiva acima ser verdadeira, sabemos
também que existem doenças que têm a sua origem no organismo físico. Tais são
as doenças causadas pela fome, pela falta de higiene, pelos efeitos colaterais
de determinados medicamentos ou pelo seu uso indiscriminado, por acidentes, por
maus tratos corporais, por condições insalubres de vida e de trabalho, por
drogas lícitas ou ilícitas, etc.
Existem
também aquelas que surgem devido ao acúmulo de fluidos deletérios provenientes
de Espíritos obsessores e que, em se demorando a causa, acaba se revertendo em doença
nos órgãos físicos.
Todas estas
doenças acontecem, é claro, seguindo leis universais criadas pela Divindade e
que alcançam o indivíduo atendendo a certos padrões de necessidade evolutiva,
cármica ou provacional.
No
livro Paulo e Estevão, o Espírito Emmanuel diz, reproduzindo a fala
do apóstolo Paulo a Lucas que era médico: “Sempre acreditei que a medicina do
corpo é um conjunto de experiências sagradas, de que o homem não poderá
prescindir, até que se resolva a fazer a experiência divina e imutável, da cura
espiritual.”
Isto é
correto e corrobora com as lições kardequianas, ou seja, a cura definitiva da
alma trará como consequência a cura do corpo físico. Além disto, as pesquisas
de vanguarda têm mostrado o quanto os sentimentos de egoísmo, orgulho,
prepotência, além do descontrole emocional, deprimem o nosso sistema
imunológico deixando o nosso organismo propenso ao ataque de microorganismos
causadores das mais diversas doenças, como também, tais desequilíbrios da alma
acarretam problemas nos centros vitais os quais passarão a carrear fluidos em
padrões desarmônicos para o corpo físico, gerando as disfunções.
Contudo,
não significa que devemos cruzar os braços diante da doença sem buscarmos os
recursos necessários para a sua solução, pois Paulo também afirma que, por enquanto,
necessitamos do auxílio da medicina do corpo e entendo esta como sendo todas as
terapias que objetivam a cura de moléstias orgânicas, incluindo o Magnetismo.
Há aqueles que afirmam não receber passes pois que devese, em primeiro lugar,
buscar a reforma íntima, ao mesmo tempo em que não se furtam ao uso das substâncias
químicas recomendadas pela prática médica, a fim de reabilitar as suas funções
orgânicas.
Na verdade,
todas as nossas dificuldades (fome, desgostos, desemprego, etc.), não apenas as
enfermidades, têm como causa primária a imperfeição da nossa alma, o que a
reforma moral viria solucionar.
Devemos
permanecer impassíveis diante destas necessidades também? Os Espíritos nos
orientam à resignação, mas não à estagnação. Até por que, muitas vezes, as
dificuldades têm também o propósito de exercitar as nossas faculdades
espirituais e intelectuais, proporcionando o seu desenvolvimento através da
busca e da aplicação de soluções.
Voltemos à
proposta inicial. Como ficam então os nossos irmãos que chegam à casa espírita solicitando
ajuda para curar-se das suas enfermidades orgânicas? Devemos dizer-lhes que não
podemos ajudá-los pois ali só se fornece a orientação moral para a
transformação da sua alma?
Se assim
fosse, deveríamos fechar os olhos também para a necessidade daqueles que tremem
de frio pedindo um cobertor, dos que sentem fome e pedem um pedaço de pão e de todos
os demais que solicitam ajuda material no centro espírita. Deveríamos acabar
com as campanhas do agasalho, campanhas de arrecadação de alimentos e todos os
movimentos filantrópicos que visem a arrecadação de ajuda material aos
necessitados. Das preces realizadas na instituição espírita, devemos
excluí-los, pedindo apenas pela sua reforma moral.
Seria
absurdo se fizéssemos isto, muitos dirão. Concordo com estes, seria absurdo.
Porém, há tanta diferença assim entre matar a fome de alguém e curar a sua
doença?
Jesus
disse: Então, dirá o Rei aos que
estiverem à sua direita: vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do reino que
vos foi preparado desde o princípio do mundo; – porquanto, tive fome e me
destes de comer; tive sede e me destes de beber; careci de teto e me
hospedastes; – estive nu e me vestistes; achei-me doente e me visitastes;
estive preso e me fostes ver. Então, responder-lhe-ão os justos: Senhor, quando
foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber?
– Quando foi que te vimos sem teto e te hospedamos; ou despido e te vestimos? –
E quando foi que te soubemos doente ou preso e fomos visitar-te? – O Rei lhes responderá:
Em verdade vos digo, todas as vezes que isso fizestes a um destes mais
pequeninos dos meus irmãos, foi a mim mesmo que o fizestes. (S. MATEUS,
25:34-40)
Jesus, no
trecho acima, se refere à caridade material como um dos meios de se alcançar o
Reino dos Céus, ou seja, a salvação. Ao longo do Evangelho há diversas
narrativas de curas realizadas por Jesus em cegos, mudos, paralíticos, surdos.
Não deixou Ele de exemplificar às multidões como deveria ser a sua conduta,
passaporte para este Reino de paz e felicidade, entretanto, nunca deixou
escapar uma oportunidade de auxiliar a quem quer que fosse, seja ouvindo,
esclarecendo ou curando as suas limitações físicas. Ao final complementava com
o “vais e não peques mais”, somando a caridade material com a caridade da orientação
moral necessária à evolução do Ser.
O fato de
que o Espírito é o responsável maior pelo que ocorre no nosso organismo físico
não pode servir de justificativa para a acomodação e a falta de caridade,
achando-se alguém dispensado de auxiliar o próximo nas suas necessidades
imediatas por pensar que se deve apenas orientá-lo.
Alguns
argumentam que não se deve tratar doenças físicas pois se a causa vem do
Espírito imperfeito, qualquer cura será temporária, pois a doença reincidirá,
já que só foi tratada a consequência, ou seja, a expressão física da verdadeira
doença. É preciso esclarecer, primeiramente, que o tratamento magnético não
dispensa o tratamento moral através do estudo da Doutrina Espírita. Em segundo
lugar, não se pode afirmar que a doença física retornará até por que não
sabemos o grau de implicação cármica da mesma, nem até quando deve o doente carregar
aquela enfermidade. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, o Espírito Bernardino
respondeu da seguinte maneira à questão formulada por Kardec: Dever-se-á por termo às provas do próximo?
“(…) Pensam alguns que, estando-se na Terra para expiar, cumpre que as provas
sigam seu curso. Outros há, mesmo, que vão até ao ponto de julgar que, não só
nada devem fazer para as atenuar, mas que, ao contrário, devem contribuir para
que elas sejam mais proveitosas, tornando-as mais vivas.
Grande
erro. É certo que as vossas provas têm de seguir o curso que lhes traçou Deus;
dar-se-á, porém, conheçais esse curso? Sabeis
até onde têm elas de ir e se o vosso Pai misericordioso não terá dito ao
sofrimento de tal dos vossos irmãos: “Não irás mais longe?” Sabeis se a Providência
não vos escolheu, não como instrumento de suplício para agravar os sofrimentos
do culpado, mas como o bálsamo da consolação para fazer cicatrizar as chagas que
a sua justiça abrira? Não digais, pois, quando virdes atingido um dos vossos
irmãos: “É a justiça de Deus, importa que siga o seu curso.” Dizei antes:
“Vejamos que meios o Pai misericordioso me pôs ao alcance para suavizar o
sofrimento do meu irmão. Vejamos se as minhas consolações morais, o meu amparo
material ou meus conselhos poderão ajudá-lo a vencer essa prova com mais energia,
paciência e resignação. Vejamos mesmo se Deus não me pôs nas mãos os meios de
fazer que cesse esse sofrimento; se não me deu a mim, também como prova, como
expiação talvez, deter o mal e substituí-lo pela paz.” (Capítulo V, item 27)
Grifei o trecho
acima para ressaltar que Deus age no homem através do próprio homem. Um
paciente curado pelo Magnetismo ou pela química médica não significa que irá
adoecer no futuro, visto que o médico ou o magnetizador podem ser os
instrumentos de que Deus está se servindo para dizer a esta doença: daqui não
passarás. E resume o Espírito, dizendo: “todos estais na Terra para expiar;
mas, todos, sem exceção, deveis esforçar-vos por abrandar a expiação dos vossos
semelhantes, de acordo com a lei de amor e caridade”.
Este último
trecho diz tudo. Ao procurar alguém a casa espírita não podemos ficar a
questionar se ele vai ou não se reformar moralmente, se a doença vai ou não se
instalar outra vez. Apenas devemos, por obrigação caritativa, acolhê-lo,
orientá-lo, consolá-lo e envidar todos os esforços a fim de que ele possa se
curar, seja qual for a sua dificuldade: orgânica, emocional, mental, espiritual
ou moral. Cabe a nós plantar a semente e esta também está simbolizada na cura
pelos passes, além da orientação.
Quanto à
colheita e ao aproveitamento do que foi plantado, só cabe a Deus fazê-lo e ao
livre-arbítrio de cada um.
Jornal Vortice
ANO III, n.º 01, junho/2010
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