Os corpos sutis na obra de Kardec
Ao definir
o perispírito em O Livro dos Espíritos, Kardec o descreveu como sendo um laço
que liga o espírito ao corpo físico.
Afirmou ser
este constituído de eletricidade, de fluido magnético animalizado, de fluido nervoso,
de matéria inerte, semimaterial, “matéria elétrica ou de outra tão sutil quanto
esta”. É evidente que tais palavras não são sinônimas e que Kardec procurava
abarcar mais amplamente a natureza do perispírito, dando a entender a
existência de uma constituição plúrima (= múltipla), como se pode deduzir da assertiva de se
tratar de um fluido nervoso.
Se o
perispírito também se constitui de fluido nervoso, o espírito o conduziria, quando
desencarnado, para o mundo espiritual? É evidente que não, pois o espírito terá
que se desvencilhar dele ao abandonar o corpo. Se o perispírito é formado também
por matéria inerte, é justo pensar que esta não acompanharia o corpo físico.
Segundo o
espírito Erasto, o fluido vital é um apanágio (=atributo) exclusivo do encarnado.
O espírito impele e dirige o fluido vital fornecido pelo médium no fenômeno
mediúnico. Se Kardec considerou essa terminologia, então, deve se entender que,
de alguma forma, ele reconhecia um compósito (=composto) na natureza do
perispírito enquanto encarnado ao afirmar, no item 77 de O Livro dos Médiuns,
que ele é formado por fluido vital, o elemento que é apanágio do homem.
Sendo este
elemento que animaliza a matéria, desfazendo-se após a morte do corpo, constituinte
do perispírito e transmissível em parte entre os indivíduos, devemos identificá-lo
como a substância que, exteriorizada, chamamos de ectoplasma.
O Fluido Vital
Portanto,
Erasto não estava se referindo ao fluido vital no sentido empregado algumas
vezes por André Luiz, ou seja, como fluido de espíritos desencarnados, pertencente
ao corpo astral, de acordo com a terminologia que adota para se referir aos colaboradores
mediúnicos do mundo invisível.
Atentando-se
para esse elemento que nasce com o homem e desaparece logo após a morte,
podemos deduzir que ele constitui o duplo etérico, ao qual os grandes magnetizadores,
os teosofistas e as doutrinas orientais também se referem. Na época, não se
empregava o termo duplo etérico, mas quando Kardec escreveu que o perispírito é
constituído de matéria sutil, nervosa e inerte, é evidente que ele estava se
referindo ao perispírito como um corpo complexo, não de natureza única.
Outro
indício dessa complexidade surge quando Kardec se refere à evolução do perispírito.
No capítulo IV de O Evangelho Segundo o Espiritismo, o espírito São Luiz afirma
que “o próprio perispírito sofre transformações sucessivas, eterizando-se cada
vez mais até a depuração completa, que constitui os espíritos puros”. Segundo o
codificador, “sabemos que, quanto mais eles se depuram, mais a essência do
perispírito se torna etérea, de onde se segue que a influência material diminui
à medida que o espírito progride, isto é, conforme o perispírito mesmo se torna
menos grosseiro”.
Em O Livro
dos Médiuns, disse ainda que “sua natureza se eteriza à medida que ele se
depura e eleva na hierarquia”. É claro que, para a compreensão dos textos,
existem duas hipóteses: o perispírito tornar-se-ia mais leve, os fluidos
ficariam menos grosseiros, porém, a natureza seria idêntica, não sendo
necessária a referência a um corpo complexo; a eterização do perispírito é de
tal ordem que ele abandona determinadas camadas, próprias de certas zonas
invisíveis, quando é elevado na hierarquia espiritual, passando a viver em
esferas mais altas. Neste caso, teríamos indicações de uma natureza complexa
para o perispírito nas referências. As duas hipóteses de compreensão não se
excluem, pois as mensagens espirituais que têm sido recolhidas e a própria
vidência deixam claro que o perispírito se mostra mais diáfano e luminoso à
medida que o espírito se eleva.
O que se
coloca como questão é se o espírito conserva um corpo espiritual da mesma
natureza ao se elevar para zonas mais próximas da Terra ou se realmente há uma mudança
em sua estrutura, necessária para a nova ambientação, levando à admissão de uma
complexidade em sua organização.
Em outras
palavras, a evolução do perispírito não seria mais do que a própria modificação
dos corpos espirituais.
Kardec
apenas ensaiava o estudo do perispírito e, portanto, não poderia conhecer tudo
o que lhe dizia respeito. Os próprios espíritos não foram muito expressivos, seja
porque preferiam dosar o ensino (como, aliás, sempre advertiram), porque a
linguagem humana lhes assinalava óbvias restrições ou porque faltava
conhecimento mais preciso do assunto para muitos dos comunicadores, decorrente
da relatividade dos próprios espíritos, conforme Kardec assinalou tantas vezes.
No entanto,
devemos recordar que, no Ensaio Teórico da Sensação nos Espíritos, presente no
item 257 de O Livro dos Espíritos, o codificador deu mostras de sua larga visão.
Partindo da eterização do perispírito (“quanto mais eles se depuram, mais a
essência do perispírito se torna etérea”), ele concluiu que as sensações do
ambiente terreno seriam inacessíveis para espíritos muito elevados, o que só
poderia ocorrer se sua natureza fosse completamente diferente.
Ver a continuação dessa matéria aqui.: Dos corpos espirituais (A visão de André Luiz)
Ver a continuação dessa matéria aqui.: Dos corpos espirituais (A visão de André Luiz)